Somos representantes de
comunidades e localidades atingidas por diferentes eventos extremos de mudanças
climáticas: enchentes, deslizamentos de terra, secas, tornados, chuvas de
granizo, trombas d´água, mudança das marés, assoriamento de rios. Viemos de
todas as regiões e biomas do país, do Rio Grande do Sul até a Amazônia, para
participar do Seminário promovido pelo Fórum Mudanças Climáticas e Justiça
Social nos dias 10 a
12 de setembro.
Decidimos elaborar o
presente documento, que apresentamos às autoridades como ponto de partida para
uma interlocução sobre a realidade vivida e os direitos das pessoas e
comunidades atingidas por eventos climáticos extremos.
1.1
Já faz décadas que se discute a problemática da
degradação ambiental e suas trágicas conseqüências sobre todos os seres vivos e
sobre a própria Terra. Está cada vez mais claro que o modelo de desenvolvimento
econômico e político dominante, baseado no incentivo à produção e ao consumo crescente
de mercadorias que geram renda e riqueza cada vez mais concentradas, está
diretamente relacionado ao aquecimento do planeta por causa do uso de fontes
fósseis para produzir a energia de que se alimenta, da continuidade do
desmatamento e da degradação dos diversos biomas, e da promoção do um
consumismo que pouco tem a ver com as necessidades reais das pessoas.
Esse modelo é promovido também com recursos públicos e
muitas vezes apoiando empresas que se estabelecem em áreas de preservação ambiental,
promovendo desapropriações, desemprego, deslocamento de comunidades, além, é
claro, dos prejuízos ambientais: poluição de águas e do solo por substâncias
químicas.
1.2
A troca
de experiências nos mostrou que o apoio que mais ajudou a enfrentar os dramas
dos atingidos foi a solidariedade praticada entre as próprias pessoas vítimas
dos desastres socioambientais. Foi importante igualmente a solidariedade de
igrejas e de entidades que se fizeram presentes desde o início do nosso
sofrimento. Sentimos que a solidariedade de povos mais distantes, nacionais e
internacionais, presente nos primeiros dias dos desastres, mas que diminuiu
logos depois, quando também os meios de comunicação deixaram de mostrar imagens
e dar notícias, muitas vezes com caráter de espetáculo.
1.3
Não se pode dizer a mesma coisa dos órgãos
públicos, que deveriam cuidar da vida e dos direitos dos cidadãos e cidadãs. Em
geral, são omissos, contam com pessoas despreparadas e só se fizeram presentes
depois de pedidos insistentes, e limitaram-se ao apoio no momento das
emergências. Tendem a fazer o mínimo possível e, ainda assim, fazem uso
eleitoral e não alcançam a todas as pessoas. Para a reconstrução da infra-estrutura
da vida, na cidade e no campo, só atuaram a partir de pressões, e ainda assim,
com projetos executados, quase sempre, sem participação das comunidades
atingidas e depois de muito tempo transcorrido, com superfaturamento das obras,
com baixa qualidade e, ainda o, com pouca transparência.
1.4
Para enfrentar os problemas, as comunidades
organizaram-se em Associações, Comissões, Mutirões e Movimentos Sociais,
contando com ajuda de entidades que se fazem presentes, como a Cáritas, a CPT e
outras. Isso ajudou a encaminhar reivindicações e lutas pelos direitos de todas
as pessoas e famílias atingidas. Foi através delas que se conseguiu, junto com
a superação da dor, descobrir oportunidades positivas de avanços na busca dos
direitos.
1.5
Com ações dos atingidos, da sociedade e do setor
público, e em especial com trabalho de voluntários, as necessidades imediatas
foram superadas, mas falta recuperar a infraestutura física – casas, áreas de
trabalho agrícola e outras fontes de renda - e o equilíbrio psicológico de
muitas pessoas.
2. DESAFIOS
O intercâmbio de práticas e a reflexão crítica realizadas neste
Seminário nos ajudaram a identificar os seguintes desafios:
2.2 o respeito ao direito
e a capacidade de se indignar, sem repressão;
2.6 a participação
nas instâncias de decisão em relação ao que é planejado em favor dos atingidos/as,
evitando que as decisões venham de fora e de cima para baixo;
2.7 garantir que as
ajudas solidárias cheguem a todos os atingidos/as com rapidez e eficiência;
2.8 luta por
políticas públicas básicas básicas e estratégicas de boa qualidade e com
continuidade para os tempos de emergência e para a reconstrução das condições
de vida pós-desastres socioambientais;
2.9 chamar atenção e
agir em relação a questões que não são emergenciais, mas são situações extremas
permanentes, como é o caso do lixo, do esgoto, e para as emergências sociais,
que fragilizam a vida de forma permanente;
2.10 garantir atendimento psicológico das pessoas atingidas,
de modo especial os jovens, os idosos e os deficientes;
2.11 cuidar que haja
visibilidade igual de todos os eventos de desastres socioambientais;
2.12 apontar claramente as responsabilidades pelas mudanças
climáticas, evitando culpabilizar os empobrecidos;
1.13 mudança no atual
modelo cultural, de produção e de consumo;
1.14 garantir o
diálogo permanente e eficiente entre o poder público e as comunidades atingidas
e/ou vulneráveis.
3. PROPOSTAS
Olhando para o futuro, a partir de nossas necessidades,
nossas práticas e direitos, propomos:
3.1 que seja
implementada uma política pública de educação ambiental de caráter permanente
em todos os espaços da vida social, e que seja incorporada nos currículos
escolares;
3.2 que o poder público assuma efetivamente suas
responsabilidades em relação às áreas de risco de desastres socioambientais,
tanto em ações preventivas como em ações de recomposição das condições de vida
das vítimas;
3.3 que seja implementada uma política pública de
mapeamento das áreas de risco e áreas de crimes ambientais nas diferentes
regiões, e que esse conhecimento se seja incorporado no Plano Diretor dos municípios
e nos planejamentos estaduais e federal;
3.4 produção
de estudos e pesquisas nas águas que desembocam no mar para verificar os casos
de salinização ou adocinamento;
3.5 garantir que a legislação ambiental seja
cumprida e fiscalizada, e que áreas de preservação permanente não sejam
degradadas;
3.6 garantir o reconhecimento e a regularização do
território pesqueiro como espaço fundamental da reprodução social das
comunidades pesqueiras;
3.7 que se amplie para todo o país, e como política
pública, a construção de cisternas caseiras, como garantia de água de
qualidade;
3.8 que sejam criadas Comissões de Defesa Civil,
com pessoas preparadas, equipadas e com autonomia em relação aos governos nos
diversos níveis, e que elas tenham um programa preventivo, e que sejam
facilitada a criação dos núcleos de defesa civil;
3.9 que haja uma política pública prioritária baseada
nos princípios da produção agroecológica;
3.10 que seja implantada uma política de incentivo
à construção de edificações adequadas, capazes de resistir aos eventos
climáticos extremos;
3.11 evitar
edificações em áreas de risco, promovendo, de forma participativa democrática,
a reinstalação em outras áreas, quando necessário, sempre respeitando todos os
direitos das pessoas e famílias envolvidas;
3.12 implementar política pública de preservação
das matas e dos manguezais existentes e de incentivo e exigência de
recomposição da mata ciliar nas beiras de córregos, rios e lagos de
responsabilidade pública e privada e replantio de matas nativas em matas
nativas, sobretudo nos manguezais;
3.13 desenvolver política de comunicação capaz de
evitar que as pessoas sejam surpreendidas por eventos extremos em áreas de
risco e criar centros de referência para acolhimento das vítimas;
3.14 não
permitir e, menos ainda, financiar a implantação de grandes projetos em áreas
das comunidades tradicionais e camponesas, bem como grandes empresas que
crescem desmedidamente por meio de monocultivos, devastando grandes áreas e
contaminando o ambiente da vida;
3.15 que seja constituído e mantido, nas três
esferas de governo, um Fundo de Emergências, e que sua gestão seja
compartilhada com a sociedade civil, especialmente através das entidades e
pastorais que atuam em situações de desastre socioambiental;
3.16 que as casas
para as famílias que as perderam em desastre ou quando são removidas de áreas
de risco sejam planejadas com participação delas, garantindo seu direito a uma
habitação digna sem violência e sem incidência de dívidas futuras;
3.17
manutenção do atual Código Florestal, garantindo às comunidades camponesas e
tradicionais, povos quilombolas e indígenas as condições de continuar em seus
territórios, produzindo e respeitando a natureza, com políticas públicas
adequadas, incluindo o pagamento por serviços ambientais;
3.18 que os crimes ambientais por desmantamento,
envenenamento, contaminação do meio ambiente, contaminação genética sejam
considerados crimes contra a humanidade, e que as áreas envolvidas sejam
destinadas à reforma agrária ou urbana, garantindo a recuperação dos efeitos do
crime sobre o meio ambiente.
3.19
garantir acesso à terra através da reforma agrária para todas as famílias sem
terra, garantindo todas as condições necessárias para permanecer na terra;
3.20 que os
órgãos de pesquisa do Estado não estejam a serviço das grandes empresas para
pesquisa de transgênicos, garantindo total comprometimento da pesquisa com a
produção de alimentos saudáveis;
3.21
redução da produção de energia hidroelétrica, substituindo-a por energia solar,
eólica e dos movimentos naturais das águas, produzida de forma
descecentralizada, com a participação e em benefício das comunidades,
diminuindo a poluição ambiental.
3.22 desenvolver política pública que agilize o
repasse de verbas para a assistência e reconstrução das condições de vida dos
atingidos, e ainda, que as comunidades tenham participação na gestão destes
recursos.
Brasília, DF, 12 de setembro de 2011.
Recebido:
Ministério da Integração Nacional
Alziro Alexandre Gomes
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Secretaria Geral da Presidência
Silvio Silva Brasil ___________________________
Comissão Especial da Câmara dos Deputados sobre medidas
preventivas diante de catástrofes climáticas
Deputado Glauber Braga ______________________
Ministério da Saúde
Guilherme Franco Neto ________________________
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome
Marcos Dal Fabbro ____________________________
Igor Arsky
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