domingo, 11 de dezembro de 2011

26/04/2010 - 12h30 / Atualizada 14/07/2010 - 17h27

Após enchente, 17 moradores do Jardim Pantanal dividem um apartamento de 42 m²

Fabiana Uchinaka
Do UOL Notícias
Em São Paulo

Atualizada às 14h24

O conjunto habitacional Morada das Flores, em Itaquaquecetuba, na Grande São Paulo, é um lugar calmo, estruturado e, principalmente, seco. Cada unidade conta com dois quartos, uma sala, uma cozinha e um banheiro. Ali, a apenas cinco quilômetros do Jardim Romano, já na zona leste da capital paulista, a água lodosa e contaminada de esgoto não invade as casas nem chega à cintura dos moradores.
À primeira vista, parece um bom lugar para colocar parte das 10.191 famílias que, segundo a Prefeitura de São Paulo, foram cadastradas para serem removidas das áreas que sofreram por mais de quatro meses com os alagamentos. Mas, basta abrir a porta do apartamento 12 do condomínio para descobrir que as moradias oferecidas pelo governo estão longe de ser um bom exemplo de habitação adequada.
Na unidade, de 42,6 metros quadrados, vivem 17 pessoas. São cinco crianças e um bebê recém-nascido, que dormem amontoados nos finos colchões doados pela prefeitura ainda na época das enchentes.
A situação já se estende por dois meses. Elísia Maria Bandeira de Oliveira, moradora do Jardim Pantanal, mudou com a numerosa família para o prédio da CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano, do governo do Estado) depois que precisou desocupar a escola Heckel Tavares, na Chácara Três Meninas, onde estava abrigada desde 23 de janeiro, dia da segunda grande enchente na zona leste. As férias escolares acabaram e as aulas foram retomadas. Era hora de sair dali com os poucos pertences que não foram levados pelas águas.
“Eu não tenho mais esperanças. Não durmo. E estou num ponto que se juntar muita gente em volta de mim, me dá falta de ar. Olho para os meus netos, para as pessoas que moram aqui em casa e penso: o que será de mim amanhã? Porque não tem de onde tirar. Tudo que temos veio de doações e até isso já esqueceram. Todo o dinheiro que entra aqui vai para fraldas, leite e remédio, porque a prioridade são as crianças”, contou ao UOL Notícias.
  • Rogério Cassimiro/UOL
    Elísia (c) com os netos e a filha (d); a família divide um apartamento de 42 m² com mais 12 pessoas
  • Rogério Cassimiro/UOL
    Em janeiro, o subprefeito de São Miguel Paulista, Milton Persoli, foi até a escola onde os moradores estavam abrigados e prometeu resolver a situação
  • Rogério Cassimiro/UOL
    Desde dezembro do ano passado, a zona leste de SP enfrenta as enchentes e os problemas provocados pelas inundações

Os problemas que Oliveira enfrentou nos últimos meses vão muito além das perdas materiais. Sem os documentos, que foram destruídos pela chuva, a família tem dificuldades para conseguir emprego, escola para as crianças e atendimento médico – reclamação recorrente entre moradores das áreas alagadas, que sofrem com a burocracia para conseguir uma nova identidade.
As infecções e as doenças provocadas pela água contaminada e pela comida estragada também persistem, assim como as idas ao hospital. “Eu, com infecção, corri para o médico com uma filha com leptospirose e outra, grávida, com também infecção. Foram as três para o hospital. Minha filha mais velha teve alta e, dias depois, voltou com hemorragia para dar à luz. Quase teve bebê na escola. E a menina nasceu com infecção nas pernas. Teve má formação dos pés”, lembrou.
A prefeitura reconhece que existem casos em que mais de uma família mora em uma mesma casa a ser derrubada, mas não explicou qual é o procedimento adotado nessas situações. Apenas informou que o cadastro na zona leste foi feito por domicílio e não por número de famílias em cada residência.
Pelos dados da prefeitura, atualmente 3.753 famílias estão recebendo o bolsa-aluguel, benefício de R$ 300 oferecido durante seis meses àqueles que tiveram suas casas derrubadas. Destas, 340 foram levadas para os apartamentos da CDHU em Itaquaquecetuba.

Segundo a companhia, a superlotação na unidade ocupada por 17 pessoas foi causada pela própria família, que está cadastrada como um núcleo composto por três pessoas. "Quando ocorreu a mudança para o conjunto habitacional, mais quatro famílias ocuparam a mesma unidade. São seus parentes diretos: filhos e netos. As filhas que ocupam a unidade não foram relacionadas pela Prefeitura de São Paulo para remoção".
Oliveira afirma, no entanto, que a transferência de todos foi tratada com a prefeitura com as próprias filhas dela. "É um jogo de empurra. Disseram que era provisório, que resolveriam em cinco dias e agora eles vêm me acusar de ter trazido todas essas famílias para cá. De ter jogado todo mundo aqui dentro", falou.

Sem direito a posse

É o caso de Lúcio Rogério da Silva Teixeira Rego, que também desocupou uma escola pública no Jardim Romano, por conta do início das aulas, e foi morar no apartamento do Morada das Flores. Ele reclama do descaso com as famílias e das condições impostas pela Secretaria Estadual de Habitação no contrato dos apartamentos.
Segundo ele, uma das unidades do conjunto habitacional chegou a abrigar nove crianças e três adultos de famílias diferentes. “Eles [os governantes] não olham para os problemas sociais que foram criados no pós-enchente. Algumas pessoas desistiram e foram embora. Outras continuam aqui tentando conseguir o que nos foi prometido. Quando viemos para cá, nos disseram que era provisório, que a gente poderia voltar para São Paulo se quisesse. Hoje, dizem que não é nada disso”, contou.
O contrato recebido pelos moradores da CDHU oferece uma concessão onerosa de uso (espécie de aluguel para bem público) por doze meses improrrogáveis. O documento diz que a permissão de uso é “por tempo certo e determinado, não gerando aos permissionários qualquer direito, seja possessória ou dominal, podendo ser revogável a qualquer tempo pela CDHU”.

Procurada pela reportagem, a CDHU informou que no final de março as famílias foram convocadas a apresentar os documentos pessoais para a elaboração do contrato de financiamento do imóvel, com 300 meses para pagar. Quem não tem esses documentos, recebe um contrato de concessão onerosa de uso válido por 12 meses, que será substituído por contratos de compra do imóvel quando os documentos estiverem em ordem.

“Ou seja, tudo o que dissemos em São Paulo que não íamos aceitar, porque lá éramos donos das nossas casas. Queremos o contrato definitivo”, explicou Rego.
“São várias cláusulas que não garantem nada aos moradores”, completou Anderson José de Amorim Laureano, que também mora com a mulher e a filha no prédio. “E quando a gente vai reivindicar melhorias, somos classificados como sortudos, por estarmos nos apartamentos. Derrubaram nossas casas e querem colocar a gente na rua de novo”, disse.
O dinheiro não dá
Maria Cecília Olinto, que morava na Chácara Três Meninas e hoje vive em Itaquaquecetuba com dois filhos, também está insatisfeita e explica que o dinheiro que ganha não dá para manter o apartamento nas novas condições.
Olinto recebe um benefício social de R$ 510 por ter um filho com síndrome de Down. Descontados os empréstimos que fez para a reforma da antiga casa, que foi destruída, atualmente ganha R$ 210. Ela teria que pagar cerca de R$ 65 de luz, R$ 70 da prestação do apartamento, R$ 38 do bujão de gás e mais a conta de água, que ainda não teve o valor determinado porque o condomínio tem uma dívida de R$ 5.000 com a Sabesp.
Os moradores que recebem apenas os R$ 300 do bolsa-aluguel da prefeitura enfrentam problemas parecidos. Basta uma conta rápida para perceber que o dinheiro que sobra não é suficiente para viver.
“Antes eu era cadastrada na tarifa social e pagava R$ 12 de luz. É muita diferença. Não tenho como pagar essas contas todas e sabiam disso quando me trouxeram para cá, sabiam da minha renda. Eu não enganei ninguém. Pelo contrário, perguntava quanto é que eu tinha que pagar antes de vir para cá, mas eles falavam para eu não me preocupar. Eu vim contrariada e já me arrependi, porque quando a gente chega aqui é que surgem as surpresas”, disse Olinto. “E aqui, não temos atendimento, assistência social ou jurídica. Estamos abandonados”, completou.
Nem a ausência de enchentes consola a dona de casa. “Eu morei mais de 12 anos ali [na Chácara Três Meninas] e não tinha a água [da enchente]. A água começou de uns tempos para cá. Eu não ia viver dentro da água suja esses anos todos, né? Mas ninguém faz nada”, afirmou.

A CDHU afirmou que vai entrar em contato com a prefeitura para esclarecer e tratar individualmente os casos da unidade habitacional ocupada por mais de uma família e das famílias com rendimentos inferiores aos necessários para o financiamento.

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